No Silêncio estou só

Certos acontecimentos têm a sua marca nas pessoas. Uns mais que outros, mas a marca fica lá. Cabe a cada um de nós aprender a viver com essas marcas. Cabe a quem nos rodeia, compreender o efeito que essas marcas tiveram em nós. Nem todos aguentam essas marcas, não conseguem viver com essas cicatrizes. A escolha de como essas cicatrizes são exteriorizadas depende também de cada um de nós. Enquanto uns decidem exteriorizar essas cicatrizes, no próprio corpo, outros fazem-no através do silêncio. Até no silêncio existem dois caminhos. Há quem prefira criar uma barreira imaginária para que ninguém veja, no sentido figurativo, essas cicatrizes. Outros decidem atalhar caminho para a única certeza que existe a partir do momento em que nascemos.

A mente humana é recheada de mistérios que ainda se tentam explicar. Como é que alguém perde a força? Como é que alguém tem a coragem e a fraqueza de maltratar o próprio corpo? Como é que alguém aguenta toda uma vida em silêncio dizendo que tudo está bem quando é mentira? Por muito que se tenta encontrar respostas, elas variam de pessoa para pessoa. Somos, enquanto humanos, seres únicos também por isso. Assim como não há duas impressões digitais iguais, não há duas formas iguais de lidar com a mesma situação. Somos arrastados por motivos diferentes na procura de nos tornarmos melhores pessoas ou de, pelo menos, afastar os outros que, por muito que nos tentem ajudar, só os vamos magoar mais. Uma boa analogia? A Terra pode não ser a única a girar em torno do Sol, mas é um planeta de características únicas.

A vida é uma caixinha de surpresas e eu não as vi todas. Se durante o meu caminho, até este momento, fui ensinado a lutar pelo que quero, também aprendi da forma mais dura o que é lutar para perder. Sempre tive a coragem de arriscar, sempre tive a força de aguentar a queda, mas as cicatrizes que ficaram? Aprendi a ignorá-las iludindo-me que estava a ficar mais forte. Pelo contrário, estou cada vez mais fraco. Decidi que o passo seguinte seria o da observação. O resultado foi o mesmo que das vezes em que decidi ouvir, das vezes em que decidi ler, das vezes em que decidi fazer para aprender. É como se perder fosse a condição. 

Lembro-me do mito de Prometeu. Em conjunto com o seu irmão Epimeteu, ficou responsável de criar todos os animais e dotá-los de determinadas características que os distinguissem dos outros. Epimeteu falhou no momento em que criou o Homem e não tendo mais características, recorre a Prometeu que rouba o fogo dos deuses, garantindo a superioridade dos Homens perante os restantes animais. Este acto, que salvaria o eu irmão Epimeteu, valeu-lhe o castigo de ficar acorrentado no monte Cáucaso onde uma águia lhe comeria o fígado todos os dias.

Sempre tentei proteger os outros, sempre tentei puxar pelo melhor de cada um. Sempre dei o meu melhor, mesmo quando não queria. Só que de nada me valeu querer ser uma pessoa melhor. De nada me valeu ser o que os outros queriam. Foram só mais marcas, mais cicatrizes que fui cultivando. Não me arrependo de o ter feito, apesar de tanto ter perdido. Foram tantas batalhas, tantas guerras. Se do meu reino sou Rei, o meu reinado são ruínas e já não existe mais força para reconstruir o que poderia ter sido um reino próspero que via a luz do Sol e o brilho da Lua. Só falta saber quando e qual será o desfecho desta história, mas eu? Eu estou cansado.

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